Sempre me chamou a atenção a
figura do andarilho. Sujeito diferente, estranho a nossos olhos, que não se
enquadra em nosso imaginário social. Ele transgride, incomoda, gera certo
desconforto a nossa sempre previsível sociedade.
Quando criança, tinha medo
dessas pessoas; me diziam para ter cuidado com elas, que eram violentas,
bêbadas ou drogadas, loucas. Um preconceito próprio de quem, não conhecendo o
outro e suas particularidades, tende a generalizar, tomar o todo pela parte,
permanecer na aparência.
Com o tempo fui descobrindo o
sentido da aproximação, da acolhida e da compreensão do que seja o mundo do
outro, que, embora diferente, não é melhor nem pior que o meu. Onde há coisas
boas e ruins. E, me deixando afectar pela figura do andarilho fui descobrindo
um sentido diferente de liberdade, e até de realidade. Diferente de nosso
pensamento formatado e por vezes racionalista, o sujeito errante tem uma forma
própria de se comunicar, seja com o outro ou com a natureza. Ele não é louco,
apenas enxerga o mundo com outras cores, outros brilhos. Não está preso a nossa
concepção convencional da vida.
Mas, acima de tudo, é dotado
de profunda sensibilidade e senso de direção muito especiais, particulares.
Porque simplesmente vai. Simplesmente anda. Simplesmente vive. Talvez por isso
nos cause tamanho estranhamento.
E só é possível entendê-lo se
entramos no seu mundo, se temos abertura para acolhe-lo no nosso. Se não temos
medo de nos perder. Só entende o mundo do outro quem não se fecha no seu, quem
dialoga. Isso me encanta e me causa profundo questionamento. E daí surge o
desejo de dialogar de forma andarilha, livre de amarras e certo de que não sou
dono da razão, apenas tenho uma maneira particular de interpretar a vida. Me permitir a partilhar visões de mundo,
experiências passadas e sonhos de futuro é uma forma não me fazer alheio ao
mundo, de dizer não ao espírito do conformismo que vem formatar nosso pensamento
e racionalidade.
Se o diálogo é próprio de quem
está aberto ao outro, então diálogos andarilhos me tocam pela profunda
experiência de liberdade que posso fazer quando sou capaz de me abrir ao
diferente e também mostrar o que há de diferente em mim.
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